terça-feira, 30 de julho de 2013

Cabelo

Tenho lido tanto ultimamente sobre o cabelo crespo da mulher negra contra o alisamento, chapinha, secador, muitos relatos, muitas histórias, muitos comentários, e eu, sendo uma mulher negra de cabelo alisado (e com megahair) não tenho conseguido compreender uma questão importante: Porque, nessa reafirmação da mulher negra como 'negra', assumindo seu cabelo crespo, há o preconceito contra aquelas que decidiram, mantem, ou não querem deixar de alisar o seu cabelo?

Não é um processo fácil para muitas, pelo motivo de ser uma imposição social construída em nossas vidas desde quando éramos apenas meninas, meninas negras, ou seja, você se acostuma, muitas vezes, com a aparência, que já está familiarizada e aceita, por você, pelos outros. É interessante a mulher querer quebrar isso, mudar, elevar sua auto-estima black, mas há quem não queira. As coisas acontecem em tempos diferentes para todas as pessoas, a reafirmação é boa, mas você se sentir bem com o que você é, como você está, acredito eu, também é válido.

Nenhuma mulher negra deixa de ser mulher negra por alisar o cabelo. Sei do sofrimento de muitas de alisar, esticar, enfim, mas cada uma escolhe o que quer, e é bom ver essa onda crescente fazendo meninas gostarem de si do jeito que são, isso ajuda a vermos as possibilidades, além da auto-estima à nossas meninas, vejo que várias mulheres assumindo seus cabelos dá força para quem ainda está se sentindo meio "fraca", indecisa, ou para quem quer mudar e tinha vergonha/medo ou por querer mudar mesmo, para experimentar, sei lá, cada uma com seus motivos, cada uma com suas vontades.

Estamos acostumadas a não vermos cabelos crespos na mídia. Na TV nossa representação é uma total falta de respeito (é Adelaide, são as empregadas das novelas, é o Mussum chamado de macaco pelo Didi), na música idem (É nega do cabelo duro, nega maluca, nega doida, nega tarada, nega feia, nega fedida, nega, nega, nega, e a nega não é a mina seus cabelo é da hora, não é a garota nacional), e isso são só dois exemplos de locais/canais/meios que andam a nos representar, pois em qualquer lugar, em qualquer âmbito, somos diminuídas, e isso nos atinge fortemente, como uma bala no coração. Então, seja lá o que for, não podemos nos julgar, julgar nossas escolhas. Até porque esse é um problema de toda negra brasileira, e eu acredito, de qualquer negra em qualquer parte do mundo também.

Acho que se a pessoa está satisfeita, não precisa mudar, mas se algo incomoda, experimente, mude! Por opinião dos outros mudei muita coisa que não gostaria, não queria e até não entendia, agora só mudo algo quando me incomodar profundamente, e minha aparência não me incomoda. Espero que mulheres negras sejam solidárias com a vida, história, dificuldades de outras mulheres negras, para juntas nos entendermos, lutarmos, sonharmos. Por mais negras que somos, não somos iguais, vemos e vivemos coisas diferentes, por mais que se pareçam, cada uma de nós possui sua particularidade, e isso deve ser respeitado, principalmente por nós, porque isso não espero dos brancos e das brancas, mas sim de nós mesmas.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Racismo: Adolescência - Parte I

Minha revolta é constante, pois sofro constantemente também. É um sofrimento que cresce com a gente, parece infinito, longo, denso, profundo, e é. Com o passar dos anos nós temos a certeza que o racismo nunca irá cessar, enquanto o capitalismo não ruir, pois o racismo é uma construção social e uma das bases do sistema capitalista, sem o racismo, por exemplo, o capitalismo perde se sentido, mas isso é pano para manga de futuros posts (capitalismo & racismo).

Esse sentimento é doloroso na infância e não se torna menos doloroso com o passar do tempo, pelo contrário, ele se intensifica na adolescência e continua a atacar violentamente na vida adulta. Li um excelente texto em algum lugar, mas não lembro qual, falando que homens negros tem mais chances de serem mortos pela polícia e/ou pela criminalidade, mais chances de morrer do que as mulheres negras. E isso é possível de contemplar pelas ruas onde andamos, em qualquer lugar por aí, vemos muito mais mulheres negras do que homens. Mas isso não significa que o sofrimento das mulheres negras seja menor, não significa que nos "matam menos", todos os dias, seja na TV, seja na música, seja nas ruas, seja aonde for. Negros são assassinados todos os dias, nossa cultura, nossa religião, nosso povo. Não sobra nada intacto, não importa a idade, posição social, status, profissão, sexo, lugar, todos são mortos, todos os dias.

Jamila, eu e Victor

Gostaria de falar sobre tanta coisa, mas vou me pautar ao racismo na adolescência, uma época de transformação, de mudança comportamental, sexual, corporal, mental, enfim, uma época de dúvidas, temores, curiosidades e, também, um período propício para reafirmar na sociedade valores fúteis, alienações a respeito de família, sexo, amor, vida, carreira, dinheiro, preconceitos e discriminações. Os adultos aproveitam das dificuldades que se enfrentam nessa fase da vida para distorcer conceitos e transformar a cabeça da juventude num antro dominado e esses adultos que cito são representados pelos adultos dominantes da nossa sociedade capitalista. Não falo de um pai pobre da favela, por mais que ele influencie seus filhos, falo dos patriarcais das grandes famílias, que dominam não só as suas família, mas também as famílias de milhões e milhões de pessoas espalhadas por todos os lugares possíveis. São as grandes corporações, as grandes empresas, as grandes mídias, que influem pesadamente na cultura, na vida social, nos valores e nas cabeças, principalmente, nas cabeças dos jovens mais influenciáveis.

Esse período da vida é um período de descobertas, descobertas essas provenientes para se entrar no mundo, enxergando, sem as mentirinhas do tipo "papai noel existe", mas começando a notar que o mundo é realmente muito cruel e não é aquele sonho de criança que um dia a gente sonhou. Se a infância já é complicada, quando você é uma garota negra, entrar na adolescência não é lá tão legal. Aí é o momento que você tem a certeza que você não é só feia, mas também é errado ser assim, é impróprio, nojento e asqueroso. Esses são alguns sentimentos que começamos a sentir por nós, quando, convivendo em sociedade, nos remetem a isso intensamente, as pessoas nos dizem isso de várias formas o tempo todo (seja pelo olhar, pelos gestos ou pela boca mesmo). É uma atenção redobrada com tudo: cabelo, roupa, peso, cheiro. É tudo muito pior. Já deixei de sair por causa disso, e sair para ser chacotada, não é legal.

Eu

Você já se sente humilhada por achar que não está a altura das meninas brancas, por todas as questões estéticas que a sociedade impõe, e aí, para se enquadrar vem primeiro a sua reafirmação enquanto pessoa e, depois, enquanto mulher. Nessas reafirmações, negamos algo (muitas vezes) desde a infância: a negritude. Rejeita-se o cabelo, mas não só o seu, os das outras meninas negras também, anula-se a cor fazendo/participando das piadas, comentários denigridores racistas, recrimina as religiões, adotando religiões européias e criticando friamente e duramente as religiões de matriz africana, ou seja, o negro torna-se racista para negar a negritude que tem em si, se sentir mais branco, se sentir menos inferiorizado inferiorizando os outros negros, se auto-chamando de macaco para querer dizer aos brancos: quero ser igual a vocês, não sou igual a eles, aceito ofensas, estou aqui para fazer parte do grupo e essa é minha contribuição.

Minha avó de consideração, Cirema, tinha "amigos" que viviam a chamando de macaca, preta fedida, e ela não só aceitava como se intitulava assim, ela se auto-promovia assim, e eu achava ridículo, nunca aceitei essa submissão, mas há uma uma espera da parte dos colegas brancos acerca dessa negação do negro, eles já esperam que o negro vá permitir uma "brincadeira", uma "piada", e quando você, negra, não aceita, você é a racista, você não sabe brincar, você não entende contexto, você não entende piada.

O clímax da adolescência é a descoberta do corpo, do amor, do sexo, o primeiro namorado e coisas do gênero. E para uma adolescente negra, essas características da fase se apresentam de forma dolorosa. Falo da minha situação, de aluna de escola particular, convivendo com muitos brancos a vida inteira, influenciada por uma cultura eurocêntrica. Garotos, de qualquer cor, não querem meninas negras, e quanto mais negra você for, pior. Os negros tem síndrome de Cirilo; os brancos, em sua maioria, são racistas, tem vergonha se vistos com uma garota negra; os pardos, asiáticos, etc, também não dão a mínima, de vez em quando aparece um cara legal, mas isso é raro. Adolescentes da minha época, começo dos anos 2000, queriam meninas brancas, com cabelos longos, magras, ou seja, o padrão, a norma, a regra. Eu, sendo negra, de cabelos curtos, esquelética, não iria atrair caras que mentalizam a loira capa da playboy do mês, e esse estigma é eterno.

Galera do Guima
Sentados (dir. p/ esq.): Jamila, Eduardo, Guido e eu
Deitados: Zélia, Vitor, Patrícia e Douglinhas

Gostei de alguns garotos do bairro, outrora da escola. Alguns (poucos) negros, outros não, a maioria pardos e brancos. Mas a rejeição era a mesma. Tenho ótimas histórias de rejeição. Comecei a gostar de um amigo meu, vizinho desde a infância, e que sempre demonstrava apreço por mim, que era o André (branco). Por ter tentado ficar com meu colega de escola, Eduardo (pardo), sem sucesso, investi no tal do André. Então, no meu aniversário de 16 anos, eu o convidei. Como não havia feito festa de 15 anos, pois não tinha dinheiro, e também havia desistido da palhaçada debutante, planejei um aniversário bem divertido de 16 anos. Contratamos karaokê, que para minha família era caro demais, fiz uma festinha simples bem legal. Chamei meus colegas, minhas colegas, e enfim, André ficou com a loira Gabriele e Eduardo ficou, não sei, com a morena Rany. E eu fiquei sem entender nada. Hoje entendo tudo.

Esse Eduardo, colega meu até os dias de hoje, foi o carinha que realmente gostei, na época dessa festa de aniversário de 16 anos tinha meio que desistido dele, já havia enchido o saco, desde o ano anterior, primeiro ano do segunda grau, tentava ver se rolava algo, ele parecia dar mole, sei lá, mas parecia mais ainda ter vergonha de deixar algo acontecer, hoje eu tenho convicção do racismo internalizado ali, nele, neles, enfim... Sofri. Gostei dele durante alguns anos - mas sempre de olho também em outros carinhas. A coisa foi complexa pra mim, isso porque acredito que gostei dele pra valer, sabe, aquela paixonite aguda ridícula da adolescência, e olha que o cara nem era um dos mais bonitos, mas o fato dele ser legal comigo me deixava encantada. Conheci Eduardo no Guimarães Rosa, uma escola particular de ensino médio de Cachoeiro. Eu era bolsista e a maioria dos meus amigos do CIAC (ensino fundamental) foram estudar lá também, então era familiar o clima, porque já conhecia muita gente presente ali. Tínhamos 15 anos, e entramos para o grupo de teatro da escola, e foi lá que começou a intensificar nossa amizade. Ele não era bonito, como já disse, mas era "interessante", sei lá. Garotas se interessavam por ele com facilidade, garotas brancas, então, comigo nem chance. Como éramos amigos, íamos às mesmas festinhas, cinema, etc., ele sempre ficava com alguém, eu ficava mal, mas fazer o que?! Ele tentou ficar com minha "prima" Rany (e vice versa), isso depois de saber que eu gostava dele. Não sei se ficaram, mas acho que deveriam ter ficado sim e eu não devia ter me metido nisso NUNCA. Mas foi aí que comecei a desconfiar da amizade dele, da conduta comigo, jeito de lidar, desconfiei sim, achei uma amizade barata, fugaz, vulgar, desconfiei se não queria só sexo com ele, desconfiei se ele gostava ou não de mim, se ele queria que eu insistisse, desconfiei que era racismo. Porém, não o julgo pelas escolhas que fez, afinal, ele tinha a certeza que não ficaríamos juntos, que éramos somente amigos, e eu não iria - nem vou - julgar seus motivos, até porque ele os teve e ninguém é obrigado a gostar de ninguém. Mas sempre vou julgar os meus: Porque fui gostar dele e acabar com a nossa amizade? Porque disse a ele que estava afim? Porque não me valorizei mais? Tenho um ARREPENDIMENTO enorme e uma vergonha ainda maior do que senti por ele, queria pedir perdão, apesar de saber que não foi crime o sentimento. Tenho vergonha de garotas como eu passarem por isso, vergonha por mim, de mim. Vergonha por ter insistido, por ter falado, por ter me exposto tanto, por ter sentido aquilo por alguém que não sentia o mesmo por mim, por ter dito eu te amo sem saber que era real (ou era real?), por ser negra também. VERGONHA. Então, o tempo foi passando, ele foi fortalecendo o discurso "é SÓ amizade", e fui entendendo isso, na marra, no choro, até que o meu primeiro beijo aconteceu, e Eduardo foi ficando menor. Foi duro para mim, pois, como já disse, havia uma esperança no fim do túnel, ele se mostrava muito presente na minha vida e era uma pessoa maravilhosa, inteligente, mas o encanto acabou (Ufa!) e eu fui me afastando também para dar tempo ao tempo. Até porque não sabia ao certo que merda de sentimento era aquele. Ele foi um "amigo", apesar dos pesares, mas olhando hoje, sei não. Fica a dúvida de tudo, e é bom duvidar, sempre.

Eu, Victor e Jamila

O primeiro beijo aconteceu, catastroficamente, aos 16 anos, na festa da cidade na exposição. Fui beijada a força por alguém, loiro dos olhos azuis, sei lá, Alfredo alguma coisa o nome dele. Nunca mais o vi. E foi um beijo horrível, mas foi um beijo, pelo menos me senti alguém. Depois, cheguei a me interessar por outros caras, mas nada acontecia. E eu era a pessoa que chegava, ou mandava alguém chegar, e não me arrependo dessa minha posição (só com o Eduardo que me arrependo). Era isso mesmo. Não sei se isso assusta os caras, mas sei que o susto de muitos deles era com a minha cor, com o fato de que uma garota negra está afim deles, quase um crime.

Saí do Guimarães Rosa no meio do segundo ano pela depressão que me consumia na época (com essas feridas abertas e outras se abrindo, eu perdi o chão, tentei suicídio, me flagelava), pelo time de handebol que eu ODIAVA (era um monte de gente chata, que me odiava também, sei lá porque, sabe, eu tava (estou/vivo) sempre nessa situação, pessoas me detestam e eu, só pra garantir, odeio pessoas também, gosto de uma ali outra aqui, mas odeio gente), pelo Eduardo, pois não estava conseguindo me concentrar por essa rejeição, pelas amizades que se mostraram frágeis (não tinha apoio, não tinha muita palavra de conforto, não sentia esses amigos), e fui em busca de novos ares, novos amigos, nova vida. Não mudou muita coisa, mas tenho orgulho de ter me afastado daquilo tudo que me fazia tão mal, pelo menos beijei, vive, gozei com quem queria gozar, beijar e sorrir comigo.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Racismo: Infância - Parte II

Acordei inspirada e nostalgia nessa terça-feira, o que propicia escrever sobre tempos mais remotos. Obviamente, muita coisa já foi guardada lá no subconsciente e por isso não me lembrarei, para minha defesa e segurança (Freud explica). Fica a sensação, apesar do passar do tempo, de que algo não foi feito, mas precisava (e precisa ser). Não penso só em mim, não sou a única a sofrer com a ignorância dos outros na infância, na adolescência, na vida adulta, tenho irmã, mãe, amigas, e sei que existem outras pessoas, meninos e meninas negros que desde cedo tem que enfrentar e conviver com essa violência. Conto a minha vida que não foi das piores, conto minha vida confortável e de regalias, conto minha vida de "classe média".


Fui para o CIAC aos 4 anos de idade e estudei lá até os 14 (do jardim à 8ª série), antes havia passado pelo maternal Bem-ti-vi, que era próximo à minha casa, no Ibitiquara. Mudei para o CIAC após a professora contar a historinha da Chapeuzinho Vermelho na escola, fiquei desesperada com a morte da vovozinha, cheguei em casa aos prantos e minha vó Maria não estava em casa. Nunca mais quis voltar para a escolinha. No CIAC, uma escola maior, comecei realmente a sentir o preconceito, antes parecia que estava tudo sobre controle, eu lá, com meus 3 ou 4 anos, no meu bairro, na minha casa, no meu território, e tudo ia bem, as pessoas dali gostavam de mim, eu gostava das pessoas e pronto. Fácil Viver é assim... Só que não. Saindo do Bem-ti-vi, e 5 anos depois, saindo do bairro Ibitiquara para o IBC, convivi com várias outras crianças, e é aí que posso afirmar, começou os maiores traumas.


Quero ratificar aqui que o CIAC foi para mim uma escola maravilhosa, apesar de alguns deslizes e erros, conheci amigos para vida toda, pessoas ótimas, tive vivências e experiências também maravilhosas, no mais, o que vivi de bom foi superior, mas não posso deixar de me queixar de várias problemáticas.

Nos primeiros anos os problemas eram basicamente as briguinhas bobas por causa do lugar e coisas assim. A gravidade começou a surgir na primeira, segunda série, quando já dividíamos determinados espaços com os alunos mais velhos. Nesses anos, na minha turma, havia eu e Tiago Peçanha de negros, alguns mulatos e pardos, outros brancos, mas negros mesmo somente eu e ele. Então ficavam nos associando, implicando. Depois entraram outras crianças negras, esse Tiago acho que saiu da escola, mas a implicância ainda caía sobre mim, meus traços característicos bem aparentes - cabelo, nariz, boca, magérrima, alta.


Havia, na primeira série (e na segunda, e na terceira) um tal de Renato, sim, que me batia muito na sala de aula e me ofendia também. Uma vez ele me deu um soco na boca do estomago, eu tinha 7 anos, e aquilo doeu muito, passei a aula toda sentindo dor. Daniel era outro que começou a atuar junto com Otávio e um outro babaquinha, que agora não lembro o nome, eles gostavam de pensar que eram superiores, mas chegavam com o uniforme sujo e rasgado para a aula, fediam e mal conseguiam ler um texto. Aham! Isso foi mais ou menos na segunda série, estava com 8 anos e me mudando para o IBC.

Para as meninas e mulheres negras o racismo é mais complicado, porque entra o fator estético feminino de beleza que não enquadra mulheres negras, então você está errada de ser negra desde sempre. Seu cabelo, nariz, boca, bunda, tudo errado. E você é julgada por isso desde criança, como se as meninas fossem obrigadas a sumirem do mapa por não se enquadrarem no padrão eurocêntrico de ser, como se meninas negras não tivessem condições de viver em sociedade, fossem um ser a parte que não evoluiu, um bicho pronto para ser escravizado, como se não tivessem dignidade para poder respirar o mesmo ar que crianças brancas. Meninas negras tem que conviver com a "feiura", o "errado", o "anormal" muito cedo. Nos concursos de beleza realizados em sala de aula lá pela terceira, quarta série, eu ganhava como a mais feia, e na boa, olhando as fotos tava todo mundo no mesmo patamar. Mas nem todos eram negros como eu. 


O racismo ganhou força após essa mudança de bairro. Tanto na escola como no bairro, o tempo foi passando e o preconceito foi se tornando mais constante, intenso e violento. O ódio que a sociedade tem de pessoas negras tornou-se claro ali, entre os 7 e 10 anos. Depois disso já havia a certeza que - na minha cabeça - pessoas brancas são más, e só são porque sentem tesão por serem más. Não mudei muito de opinião. O tempo não deixou.

Aproximadamente na mesma época, ia à padaria e tinha que escutar do Miro (padeiro conhecido da família) que eu quando crescesse tinha que casar com um homem branco para melhorar a raça, isso entre outras coisas do gênero. Ouvi isso durante uns quase 10 anos da minha vida, da mesma pessoa, quase todos os dias, e fui entrando na adolescência foi ficando pior, porque viraram elogios à beleza da futura mulher NEGRA + um monte de absurdos. Eu respondia, sempre (ou quase sempre) reclamei, gritei, xinguei, bati, nunca fui de levar desaforo pra casa, me arrependo de todas às vezes que levei, mas em algumas ocasiões passavam coisas despercebidas, pois, como criança eu nem notava, e as pessoas ao meu redor tentavam minimizar, mas dentro de mim já havia um grande tumor de estrago feito.


Eu tinha uma professora Sabrina que não me deixava reclamar quando ocorria alguma coisa na sala de aula. O negócio era tão feio que a coordenadora, Morena, já estava avisada dos preconceitos direcionados à mim. Se não me engano uma vez saí de sala (nem pedi permissão) e fui pra coordenação, porque não aguentava mais. Eram muitas ofensas, que iam de macaca à agressões físicas. Como já disse anteriormente, respondia, batia, xingava, e essa minha agressividade durou até a sétima, oitava série. Posso dizer que na oitava já estava bem mais calma, mas foi graças a essa minha agressividade, ira e despeito que sobrevivi, ganhei respeito e confiança.

Tive muitos problemas, era com Daniel Pereira, Emanuel, Otávio, Renato, Leonardo Vieira, Lucas, etc, etc, etc. Percebam, meninos. Haviam meninas também, algumas me torravam o ovário, principalmente as mais velhas, que estavam anos a frente. Passei por tanta coisa que nem me arrependo de ter agredido tanta gente que não tinha nada a ver. Bola de neve. Ação e reação. Vida. Sobrevivência.


Eu apanhei, fui muito ridicularizada, humilhada, discriminada, e por isso também ganhava apoio em casa para revidar as agressões, fico feliz de minha madrinha sempre ter me aconselhado a me defender, do jeito que fosse, mas não levar desaforo para casa. Tenho orgulho disso.

A situação do racismo é tão complexa que, posso afirmar, sofri discriminação racial, preconceito, de TOD@S as pessoas com quem convivi, todos. Com certeza, tive amigos maravilhosos, conheci muita gente boa, humilde, educada, digna. Tive problemas graves com alguns nomes citados acima, outros nem lembrei e nem lembrarei para citar, mas racismo eu sofri nas mãos de praticamente todo mundo que convivi, direta ou indiretamente, de uma forma ou de outra, velado ou descarado, vem ocorrendo pelo caminho.


Acredito que, ter sido uma criança reservada e violenta só me ajudou perante essa sociedade cruel que vivemos. Sejamos cruéis também.

Fotos: Minhas turmas do CIAC.

sábado, 6 de julho de 2013

Racismo: Infância - Parte I

Eu consigo lembrar que no começo parecia tudo igual, havia aquela ingenuidade de criança, que os adultos com o tempo moldam para nos tornarmos ingênuos e ignorantes (no sentido mais fiel da palavra) acerca do mundo, das pessoas a nossa volta. É como se fossemos um rio limpo que, com o tempo, vai se tornando poluído pela ação do homem. Acho que é o exemplo mais próximo no que diz respeito a influência negativa da sociedade em nossas crianças.



Cresci em bairro de classe média, estudei em escola de classe média, vivi vida de classe média. Fui criada pela minha madrinha (parda) e sempre tive muito contato com minha mãe e família materna, a paterna nem tanto, mas sempre tive contato também. Por conviver praticamente com crianças brancas, no bairro e na escola, tive algumas dificuldades de me enxergar como uma pessoa negra e de entender a negritude de forma que, eu estava (ou pensava estar), a par dela. Como eu quase não via pessoas negras em determinados lugares que frequentava, acaba me anulando também, como se fosse uma "camuflagem" para me sentir parte fiel daquilo que vivia. Não sei se ficou fácil o entendimento, mas o negro (enquanto criança, principalmente) numa situação assim , acaba sendo quase que forçado a se tornar o mais igual possível a maioria da classe dominante, até por uma questão de defesa, de "sobrevivência" no grupo.


Na infância entra a questão da dúvida, me perguntava: Cadê as outras crianças negras? E quando, por exemplo, chegava na casa da minha mãe, em um bairro mais humilde da cidade, eu ficava deslocada, não conseguia me sentir bem, não era meu ambiente, não tocavam as músicas que eu gostava, não viam os programas de TV que eu assistia, enfim, ali, naquele bairro, a maioria negros e pardos, crianças, adultos e idosos, da mesma cor que eu, não me representavam.
Então, por esses motivos, entre outros, não gostava muito de ir na casa da minha mãe, que morava com a mãe dela, minha avó biológica. Minha avó era, sempre foi, extremamente implicante e preconceituosa, então por eu morar em bairro de classe média e estudar em escola particular, eu era meio rejeitada por ela, que vivia me ofendendo me chamando de negrinha metida, por que eu não gostava de ir na casa dela, e sempre dizia que estudar em escolar particular não era coisa pra preto, entre outras milhões de coisas. Então esse era outro motivo pelo qual odiava frequentar aquele lugar. Minha mãe e minha avó: negras. Não as julgo tanto, até porque cresceram, viveram e sofreram nas mãos dessa sociedade branca racista e nem estudo direito as duas têm. Minha vó não sei se estudou, mamãe tem até a 4ª série.


Nasci no Ibitiquara, bairro classe média - classe média alta, e aos 8 anos mudei para outro bairro, IBC, também classe média. Nesse primeiro bairro que morei eu era cercada dos familiares de criação da minha madrinha, a Dinda (que tem uma longa e triste história, que ainda vou fazer um filme), um monte de gente branca e rica que, de certa forma, sempre procurou me ajudar. Vovó Zuzú, era a vizinha da frente, e sempre fez de tudo por mim e pela minha madrinha. Ela pagou minha escola particular, CIAC, e ajudava a Dinda à comprar roupas e bijuterias para vender na lojinha lá em casa, depois que mudamos para o IBC, ela ajudava a Dinda a comprar material para fazer os salgados que vendia para escolas e vendia em casa. Teve a vovó Glorinha e vovô Delta, entre outras pessoas, que sempre ajudaram de alguma forma. Mas nós vamos crescendo, as pessoas vão mudando, morrendo... A vida segue.
No bairro Ibtiquara não havia bagunça, moravam poucas crianças e tal, gostava de lá. Depois que mudei pro IBC, lugar onde havia muitas famílias, muitas crianças, muita gente, eu comecei a sentir fortemente o preconceito racial, e olha que o Ibitiquara era muito mais branco e elitizado do que o IBC. Como já havia citado, me mudei para lá com 8 anos, e foi principalmente ali, que tomei ódio de gente branca; Que ainda sinto, e não seria diferente, e não será, espero, até porque isso é minha defesa, minha vida, meus valores, minha sobrevivência. Sempre fui uma pessoa violenta e na minha, sempre me isolei, até mesmo antes desses fatos revoltantes, mas foi ali que me tornei quase uma psicopata, pra suprir as coisas que sofria na rua e na escola, então eu batia na dona Maria, minha outra avó de criação que morava comigo e com a Dinda, batia na Dinda, batia em todo mundo. E ainda enfio a mão em todo mundo, só pra garantir.


Ali no bairro, conheci gente boa, mas a grande maioria racista, com aquele racismo cordial de dar nojo mas, enquanto criança eu não conseguia detectar muita coisa, definir, delimitar ou ter noção do tamanho da merda. Os adolescentes do bairro eram os que mais me enxiam o saco, Marcos Vinícius (infelizmente esqueci o sobrenome) e Thiago Caliman Cesquin (não sei se acertei, mas também não me importo saber corretamente esse sobrenome), me bateram quando eu tinha 10, motivo: crianças - inclusive eu - implicaram com eles, digo 5, 6, 7 crianças, mas eles só partiram para cima da criança negra. Ah tá, eles tinhas 15, 16, sei lá. Pois bem, aí eu já sabia o que era racismo, já gritava racismo, mas minha Dinda sempre foi bunda mole, e só foi atrás da família deles pra conversar. De lá pra cá, brigo com ela todos os dias, por não ter chamado a polícia, alias, meu pai e um dos meus tios eram da polícia na época. Enfim... Nesse caso, eu estava em frente a casa de Laila Fekete, minha colega (?), que não quis abrir a porta e me deixar entrar para evitar o abuso. Mas não esqueci, eu nunca esqueço, faço questão. Isso porque era um bairro, repito, não tão de elite como o anterior que eu morava, digo: classe média é pior que elite ainda. Sofri mais na mão dessa galera do que dos ricos de verdade.



Esse tal do Marcos Vinícius tinha uma irmã, mais ou menos da minha idade, o nome dela era Marcela, e ela era "coleguinha" minha e das minhas coleguinhas, mas eu não podia entrar na casa por ser negra, a avó dela não gostava. Na verdade nenhum deles gostava. Anos depois, ela foi até meu aptº (morei no IBC no conjunto de prédios) junto com outra "coleguinha" Laiara (acho que é assim que escreve, também não me importa como escreve esse merda de nome) e enquanto eu me arrumava para sair, elas estragaram os salgadinhos que estavam em cima da mesa e que minha madrinha ia vender. Eu não vi na hora, saí com elas, e quando voltei para casa, minha madrinha estava aborrecida por causa dos salgados estragados e eu fiquei com muita raiva, não sabia o que fazer, disse para Dinda, que foi na casa da tal da Laiara conversar com a mãe dela, explicar o ocorrido, mantive amizade com essas duas por mais algum tempo, mas o tempo é maravilhoso e afasta esses encostos da nossa vida.


Um outro ocorrido que me recordo, no IBC, foi quando fui defender Tatiana, uma coleguinha minha, numa discussão com uma garota que havia mudado a poucos meses para lá. A família da menina, conhecida da minha avó Cirema (outra avó de criação) que morava lá perto de casa, alugou uma grande casa com piscina que havia ali e se achavam os reis do pedaço. Sempre fui muito mais alta que as outras meninas e muito magra, então fui defender essa coleguinha, a avó da menina veio ver o que estava acontecendo e começou a me ofender (um monte), isso porque haviam outras crianças discutindo com a menina também, mas nenhuma outra era negra, só eu. E depois de tanta ofensa, minha madrinha foi conversar com a família dela, com a avó dela que havia me ofendido muito, muito, muito, minha avó Cirema, negra e conhecida da família, também foi lá conversar, mas não adiantou nada, sempre que passava na rua, eles me chamavam de macaca, só parou quando eles mudaram. Nessa época, saía até pouco de casa, para evitar ouvir asneira de gente branca. Eu tinha uns 11 anos na época, mais ou menos.
Outro fato, eu era inferiorizada, chamada de feia, riam do meu cabelo e tudo mais. Uma vez as meninas (Tatiana, Marcela, Bianca, Soraya, Gabriela e não sei mais quem) ficaram rindo e pegando no meu cabelo, zombando. Dinda viu e me chamou, para evitar mais humilhação.


Uma vez (várias vezes) estavam os aborrecentes todos juntos, a corja infantilizada nazi-fascista: Soraya, Thiago Caliman, e mais um monte de boçal, com certeza, fazendo o que adoravam: me ofendendo. Então, deu uma bela porrada ou empurrão, sei lá, na tal da Soraya (sim, foi muito engraçado e de lavar a alma) e saí correndo, todos riram dela, que depois foi lá em casa pra tirar satisfação, mas a Dinda conhecia as peças, tudo figurinha carimbada com a suástica, e então nem deu bola, e ficamos rindo da cara dela, deles, deles todos.
Eu tinha mais um monte de vizinhos que me perturbavam, me enxiam o saco, por eu ser negra, tinham tesão por me maltratar, discriminar. Nomes: Sílvia e o marido (do Hiperlanchão, casa de lanche do bairro, comia lá de vez em quando, mas se voltasse o tempo preferia comer esterco e lamber latrina do comer aquela merda de lanche deles), Antonina (mãe dessa tal Sílvia que tinha uma banca de revista no ponto de ônibus, praticamente embaixo do meu apartamento), Rogéria e as filhas racistas (Taís e Bianca), Soraya (menina metida a bonita e a branca, mas era bem moreninha, visse?!), os abutres adolescentes (Thiago Caliman, Marcos Vinicius e cia) e etc. 



Tenho mais zilhões de histórias parecidas com essas, citadas acima, isso só comigo. Imaginem o que outras crianças negras também passam no dia-a-dia, fui uma criança negra então eu sei: crianças brancas são uma praga, desprezíveis, mais não são todos, salvo aqui as Alines (na tenra infância), Tadeu Milioni (grande pessoa, e pessoas boas assim vão cedo) e alguns colegas da escola (CIAC), que não vou citar agora porque os problemas de racismo, preconceito e discriminação na escola virão em posts futuros.


Essa é só a parte I, ainda vem mais, muito muito muito mais nomes, absurdos, racismo.

Dinda te ensina a montar uma deliciosa torta salgada

 Olá, blog! Dia 1º foi aniversário do meu marido Gabriel (Parabéns, amor!). Ele pediu uma torta salgada, Dinda fez e ficou maravilhosa. Foi ...