sábado, 6 de julho de 2013

Racismo: Infância - Parte I

Eu consigo lembrar que no começo parecia tudo igual, havia aquela ingenuidade de criança, que os adultos com o tempo moldam para nos tornarmos ingênuos e ignorantes (no sentido mais fiel da palavra) acerca do mundo, das pessoas a nossa volta. É como se fossemos um rio limpo que, com o tempo, vai se tornando poluído pela ação do homem. Acho que é o exemplo mais próximo no que diz respeito a influência negativa da sociedade em nossas crianças.



Cresci em bairro de classe média, estudei em escola de classe média, vivi vida de classe média. Fui criada pela minha madrinha (parda) e sempre tive muito contato com minha mãe e família materna, a paterna nem tanto, mas sempre tive contato também. Por conviver praticamente com crianças brancas, no bairro e na escola, tive algumas dificuldades de me enxergar como uma pessoa negra e de entender a negritude de forma que, eu estava (ou pensava estar), a par dela. Como eu quase não via pessoas negras em determinados lugares que frequentava, acaba me anulando também, como se fosse uma "camuflagem" para me sentir parte fiel daquilo que vivia. Não sei se ficou fácil o entendimento, mas o negro (enquanto criança, principalmente) numa situação assim , acaba sendo quase que forçado a se tornar o mais igual possível a maioria da classe dominante, até por uma questão de defesa, de "sobrevivência" no grupo.


Na infância entra a questão da dúvida, me perguntava: Cadê as outras crianças negras? E quando, por exemplo, chegava na casa da minha mãe, em um bairro mais humilde da cidade, eu ficava deslocada, não conseguia me sentir bem, não era meu ambiente, não tocavam as músicas que eu gostava, não viam os programas de TV que eu assistia, enfim, ali, naquele bairro, a maioria negros e pardos, crianças, adultos e idosos, da mesma cor que eu, não me representavam.
Então, por esses motivos, entre outros, não gostava muito de ir na casa da minha mãe, que morava com a mãe dela, minha avó biológica. Minha avó era, sempre foi, extremamente implicante e preconceituosa, então por eu morar em bairro de classe média e estudar em escola particular, eu era meio rejeitada por ela, que vivia me ofendendo me chamando de negrinha metida, por que eu não gostava de ir na casa dela, e sempre dizia que estudar em escolar particular não era coisa pra preto, entre outras milhões de coisas. Então esse era outro motivo pelo qual odiava frequentar aquele lugar. Minha mãe e minha avó: negras. Não as julgo tanto, até porque cresceram, viveram e sofreram nas mãos dessa sociedade branca racista e nem estudo direito as duas têm. Minha vó não sei se estudou, mamãe tem até a 4ª série.


Nasci no Ibitiquara, bairro classe média - classe média alta, e aos 8 anos mudei para outro bairro, IBC, também classe média. Nesse primeiro bairro que morei eu era cercada dos familiares de criação da minha madrinha, a Dinda (que tem uma longa e triste história, que ainda vou fazer um filme), um monte de gente branca e rica que, de certa forma, sempre procurou me ajudar. Vovó Zuzú, era a vizinha da frente, e sempre fez de tudo por mim e pela minha madrinha. Ela pagou minha escola particular, CIAC, e ajudava a Dinda à comprar roupas e bijuterias para vender na lojinha lá em casa, depois que mudamos para o IBC, ela ajudava a Dinda a comprar material para fazer os salgados que vendia para escolas e vendia em casa. Teve a vovó Glorinha e vovô Delta, entre outras pessoas, que sempre ajudaram de alguma forma. Mas nós vamos crescendo, as pessoas vão mudando, morrendo... A vida segue.
No bairro Ibtiquara não havia bagunça, moravam poucas crianças e tal, gostava de lá. Depois que mudei pro IBC, lugar onde havia muitas famílias, muitas crianças, muita gente, eu comecei a sentir fortemente o preconceito racial, e olha que o Ibitiquara era muito mais branco e elitizado do que o IBC. Como já havia citado, me mudei para lá com 8 anos, e foi principalmente ali, que tomei ódio de gente branca; Que ainda sinto, e não seria diferente, e não será, espero, até porque isso é minha defesa, minha vida, meus valores, minha sobrevivência. Sempre fui uma pessoa violenta e na minha, sempre me isolei, até mesmo antes desses fatos revoltantes, mas foi ali que me tornei quase uma psicopata, pra suprir as coisas que sofria na rua e na escola, então eu batia na dona Maria, minha outra avó de criação que morava comigo e com a Dinda, batia na Dinda, batia em todo mundo. E ainda enfio a mão em todo mundo, só pra garantir.


Ali no bairro, conheci gente boa, mas a grande maioria racista, com aquele racismo cordial de dar nojo mas, enquanto criança eu não conseguia detectar muita coisa, definir, delimitar ou ter noção do tamanho da merda. Os adolescentes do bairro eram os que mais me enxiam o saco, Marcos Vinícius (infelizmente esqueci o sobrenome) e Thiago Caliman Cesquin (não sei se acertei, mas também não me importo saber corretamente esse sobrenome), me bateram quando eu tinha 10, motivo: crianças - inclusive eu - implicaram com eles, digo 5, 6, 7 crianças, mas eles só partiram para cima da criança negra. Ah tá, eles tinhas 15, 16, sei lá. Pois bem, aí eu já sabia o que era racismo, já gritava racismo, mas minha Dinda sempre foi bunda mole, e só foi atrás da família deles pra conversar. De lá pra cá, brigo com ela todos os dias, por não ter chamado a polícia, alias, meu pai e um dos meus tios eram da polícia na época. Enfim... Nesse caso, eu estava em frente a casa de Laila Fekete, minha colega (?), que não quis abrir a porta e me deixar entrar para evitar o abuso. Mas não esqueci, eu nunca esqueço, faço questão. Isso porque era um bairro, repito, não tão de elite como o anterior que eu morava, digo: classe média é pior que elite ainda. Sofri mais na mão dessa galera do que dos ricos de verdade.



Esse tal do Marcos Vinícius tinha uma irmã, mais ou menos da minha idade, o nome dela era Marcela, e ela era "coleguinha" minha e das minhas coleguinhas, mas eu não podia entrar na casa por ser negra, a avó dela não gostava. Na verdade nenhum deles gostava. Anos depois, ela foi até meu aptº (morei no IBC no conjunto de prédios) junto com outra "coleguinha" Laiara (acho que é assim que escreve, também não me importa como escreve esse merda de nome) e enquanto eu me arrumava para sair, elas estragaram os salgadinhos que estavam em cima da mesa e que minha madrinha ia vender. Eu não vi na hora, saí com elas, e quando voltei para casa, minha madrinha estava aborrecida por causa dos salgados estragados e eu fiquei com muita raiva, não sabia o que fazer, disse para Dinda, que foi na casa da tal da Laiara conversar com a mãe dela, explicar o ocorrido, mantive amizade com essas duas por mais algum tempo, mas o tempo é maravilhoso e afasta esses encostos da nossa vida.


Um outro ocorrido que me recordo, no IBC, foi quando fui defender Tatiana, uma coleguinha minha, numa discussão com uma garota que havia mudado a poucos meses para lá. A família da menina, conhecida da minha avó Cirema (outra avó de criação) que morava lá perto de casa, alugou uma grande casa com piscina que havia ali e se achavam os reis do pedaço. Sempre fui muito mais alta que as outras meninas e muito magra, então fui defender essa coleguinha, a avó da menina veio ver o que estava acontecendo e começou a me ofender (um monte), isso porque haviam outras crianças discutindo com a menina também, mas nenhuma outra era negra, só eu. E depois de tanta ofensa, minha madrinha foi conversar com a família dela, com a avó dela que havia me ofendido muito, muito, muito, minha avó Cirema, negra e conhecida da família, também foi lá conversar, mas não adiantou nada, sempre que passava na rua, eles me chamavam de macaca, só parou quando eles mudaram. Nessa época, saía até pouco de casa, para evitar ouvir asneira de gente branca. Eu tinha uns 11 anos na época, mais ou menos.
Outro fato, eu era inferiorizada, chamada de feia, riam do meu cabelo e tudo mais. Uma vez as meninas (Tatiana, Marcela, Bianca, Soraya, Gabriela e não sei mais quem) ficaram rindo e pegando no meu cabelo, zombando. Dinda viu e me chamou, para evitar mais humilhação.


Uma vez (várias vezes) estavam os aborrecentes todos juntos, a corja infantilizada nazi-fascista: Soraya, Thiago Caliman, e mais um monte de boçal, com certeza, fazendo o que adoravam: me ofendendo. Então, deu uma bela porrada ou empurrão, sei lá, na tal da Soraya (sim, foi muito engraçado e de lavar a alma) e saí correndo, todos riram dela, que depois foi lá em casa pra tirar satisfação, mas a Dinda conhecia as peças, tudo figurinha carimbada com a suástica, e então nem deu bola, e ficamos rindo da cara dela, deles, deles todos.
Eu tinha mais um monte de vizinhos que me perturbavam, me enxiam o saco, por eu ser negra, tinham tesão por me maltratar, discriminar. Nomes: Sílvia e o marido (do Hiperlanchão, casa de lanche do bairro, comia lá de vez em quando, mas se voltasse o tempo preferia comer esterco e lamber latrina do comer aquela merda de lanche deles), Antonina (mãe dessa tal Sílvia que tinha uma banca de revista no ponto de ônibus, praticamente embaixo do meu apartamento), Rogéria e as filhas racistas (Taís e Bianca), Soraya (menina metida a bonita e a branca, mas era bem moreninha, visse?!), os abutres adolescentes (Thiago Caliman, Marcos Vinicius e cia) e etc. 



Tenho mais zilhões de histórias parecidas com essas, citadas acima, isso só comigo. Imaginem o que outras crianças negras também passam no dia-a-dia, fui uma criança negra então eu sei: crianças brancas são uma praga, desprezíveis, mais não são todos, salvo aqui as Alines (na tenra infância), Tadeu Milioni (grande pessoa, e pessoas boas assim vão cedo) e alguns colegas da escola (CIAC), que não vou citar agora porque os problemas de racismo, preconceito e discriminação na escola virão em posts futuros.


Essa é só a parte I, ainda vem mais, muito muito muito mais nomes, absurdos, racismo.

2 comentários:

  1. Uma das minhas duas únicas vezes que briguei na escola foi justamente com esse Thiago aí... peguei ele pelo pescoço e levantei, e após saber desse episódio, meu arrependimento foi de não tê-lo quebrado, aehuehaue

    Meu comentário sobre a postagem: Estarrecedor.

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    Respostas
    1. Pois é, vc teria se vingado - antecipadamente - da coxinhesse do coxinha.

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